domingo, 27 de julho de 2025

Perfeição Canção de Legião Urbana ‧ 1993

Perfeição
Canção de Legião Urbana ‧ 1993


Clique no link abaixo e veja o clipe da música Perfeição da banda Legião Urbana 

Letra da canção Perfeição da banda Legião Urbana 

Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão

Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção

Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição

Fonte: LyricFind

Análise Profunda da Canção 'Perfeição' da Legião Urbana: Significado, Críticas, Mensagens e Simbolismo

I. Introdução: A Canção 'Perfeição' no Cenário da Legião Urbana

A Legião Urbana consolidou-se como uma das bandas mais influentes e emblemáticas do rock brasileiro, reconhecida por suas letras profundas, poéticas e consistentemente engajadas com questões sociais e políticas. A banda destacou-se por sua capacidade de articular o zeitgeist brasileiro, tornando-se uma voz para uma geração. O álbum "O Descobrimento do Brasil", lançado em 1993, representa um momento crucial na discografia da Legião Urbana, surgindo em um período de intensa turbulência e reflexão no país. A banda, com sua sensibilidade artística, conseguiu capturar e expressar as complexidades desse cenário.

'Perfeição' transcende a definição de uma mera canção para se firmar como um manifesto contundente. Ela espelha e critica as contradições e a insatisfação que permeavam o Brasil da época, utilizando a arte como uma ferramenta incisiva de denúncia. A escolha estilística de Renato Russo de declamar os versos, em vez de cantá-los de forma melódica, aliada a arranjos que mesclam elementos de rock e rap, já sinaliza uma intenção clara de priorizar o discurso direto e impactante. Essa abordagem deliberada afasta a canção de uma estrutura musical convencional para focar na entrega crua e reflexiva da mensagem.

A canção opera primariamente através de uma ironia ácida e cortante, subvertendo o próprio conceito de "celebração" para expor a naturalização de absurdos e injustiças na sociedade brasileira. Essa estratégia retórica força o ouvinte a confrontar a realidade de forma incômoda. Contudo, essa denúncia não se esgota em si mesma. 'Perfeição' culmina em uma poderosa e inesperada mensagem de esperança, apontando para a busca pela verdade como o caminho essencial para a libertação individual e a transformação coletiva.

A repetição do verbo "celebrar" de forma sarcástica funciona como uma ferramenta retórica central da composição. Ao convidar o ouvinte a "celebrar a estupidez do povo / Nossa polícia e televisão", a música não se limita a criticar, mas provoca uma reação. A ironia, neste contexto, não é apenas um recurso estilístico, mas uma estratégia de engajamento profundo. Ela obriga o ouvinte a reconhecer a contradição e, implicitamente, a questionar sua própria complacência ou indiferença diante dos problemas sociais. O convite é passivo, mas a decodificação da ironia exige uma resposta cognitiva ativa, transformando o ato de ouvir em um momento de autocrítica e reflexão sobre a naturalização do sofrimento.

A escolha da influência do rap-metal e a decisão de Renato Russo de declamar os versos são elementos cruciais para a comunicação da mensagem. Essa escolha não é meramente estética; ela está intrinsecamente ligada ao propósito da canção. O rap, como gênero, é historicamente associado à denúncia social e política, à urgência e à entrega direta da palavra. A fusão com a intensidade do rock cria um som potente e, por vezes, confrontador. A declamação, ao invés do canto melódico, remove a distração da musicalidade para focar a atenção do ouvinte exclusivamente na letra, reforçando o caráter de "manifesto" da canção. Isso amplifica a sensação de urgência e a natureza intransigente da crítica, garantindo que a mensagem seja absorvida em sua forma mais crua e impactante.

II. O Brasil dos Anos 90: Contexto Histórico e Socio-Político de 'Perfeição'

A década de 1990 representou um período de transição complexa para o Brasil, que buscava se recuperar do longo e repressivo regime da ditadura militar (1964-1985). A redemocratização estava em curso, mas o país ainda enfrentava os resquícios de um passado autoritário e a busca por estabilidade política e social. O início dos anos 90 foi marcado pela eleição de Fernando Collor de Mello, cujo governo (1990-1992) culminou em um processo de impeachment devido a escândalos de corrupção.

O Brasil vivia uma crise econômica devastadora, marcada por uma inflação hiperinflacionária que corroía o poder de compra e gerava incerteza generalizada. A inflação acumulada atingiu picos alarmantes: 6800% em 1990, 2000% em 1993 e 4922% em junho de 1994, às vésperas do lançamento do Plano Real. Diversos planos econômicos anteriores, como Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II, todos baseados em congelamento de preços, haviam fracassado consecutivamente, alimentando um profundo ceticismo e desilusão na população em relação à capacidade do governo de resolver a crise. O ano de 1993, quando a música foi lançada, foi particularmente tenso, sendo lembrado como o "período dos suicídios" devido às dramáticas consequências do bloqueio das poupanças imposto pelo Plano Collor. Nesse cenário, o governo de Itamar Franco (1992-1994), que assumiu após o impeachment de Fernando Collor, herdou uma nação em colapso econômico. Sua gestão buscou a recuperação, culminando na nomeação de Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda e no eventual sucesso do Plano Real a partir de 1994, que finalmente controlou a inflação.

A instabilidade econômica e os escândalos políticos geraram uma insatisfação popular generalizada. A sociedade brasileira clamava por melhores condições de vida, justiça social e, acima de tudo, o combate implacável à corrupção. O período foi marcado por denúncias de corrupção que culminaram no impeachment de Collor, um aumento significativo do custo de vida, um pesado endividamento externo e problemas sociais crônicos que eram, em parte, legados da ditadura militar. A mobilização da juventude, como o movimento dos "Caras Pintadas", demonstrava a efervescência social e a demanda por mudanças. A letra de 'Perfeição' não é apenas um comentário, mas uma tradução visceral desse momento de profunda insatisfação. Ela serve como um "manifesto político sobre os anos 1990", abordando as consequências diretas da corrupção, da violência e do descaso social que afligiam o país.

O título da canção, "Perfeição", contrasta drasticamente com o contexto histórico de hiperinflação, planos econômicos fracassados e insatisfação social generalizada. Essa dissonância cria uma tensão irônica poderosa. A "perfeição" que a música ironicamente convida a celebrar não é um estado ideal, mas sim a "perfeição" da disfunção sistêmica, da corrupção e da indiferença que se tornaram normais. Essa escolha sublinha a crítica central da canção: a aceitação de uma realidade profundamente imperfeita e quebrada como o padrão.

A crise econômica vivenciada nos anos 90 foi, em parte, "resultado das gestões do período da Ditadura Militar". Essa conexão explícita liga os problemas contemporâneos a um trauma histórico mais profundo e não resolvido. A redemocratização prometia estabilidade e progresso, mas a persistência da alta inflação e da corrupção teria alimentado uma profunda desilusão popular. 'Perfeição' captura essa frustração, sugerindo que a mera mudança de regime político não resolveu automaticamente as questões estruturais enraizadas, implicando uma crítica à superficialidade da transição democrática que não abordou as raízes dos problemas.

As taxas astronômicas de inflação não são apenas dados econômicos; elas simbolizam uma ruptura da ordem, da previsibilidade e da confiança social. Quando o valor da moeda se desintegra tão rapidamente, isso reflete um caos social mais profundo. O catálogo de "absurdos" da canção ecoa essa instabilidade econômica, sugerindo que o tecido social e moral da nação estava tão inflacionado e desvalorizado quanto sua moeda. Isso estabelece um paralelo poderoso entre a desordem econômica e a decadência moral, indicando que a crise era multifacetada.

III. Análise Semântica e Retórica: O Significado e as Críticas da Letra

A. A Ironia da "Celebração"

A repetição enfática do verbo "celebrar" é a espinha dorsal da estratégia irônica da canção. Em uma subversão radical do seu significado usual, a música convida o ouvinte a "celebrar a estupidez do povo / Nossa polícia e televisão", transformando cada verso em uma denúncia direta e incisiva da naturalização do sofrimento e das injustiças que permeiam a sociedade brasileira. Essa deliberada inversão da ideia de comemoração serve para expor as profundas contradições e a hipocrisia de uma sociedade que, por vezes, parece aceitar, ignorar ou até mesmo se adaptar a problemas de gravidade alarmante.

B. O Catálogo de Absurdos: Críticas Sociais e Políticas Explícitas

A letra de 'Perfeição' se desdobra como uma lista contundente e implacável de falhas sistêmicas e tragédias sociais, pintando um retrato incômodo e cru da realidade nacional.

Tabela 1: Críticas Sociais e Políticas em 'Perfeição'


Renato Russo direciona sua crítica sem poupar ninguém, incluindo o próprio povo, o governo, a polícia e a mídia. A menção à "estupidez do povo" sugere uma crítica à passividade, à falta de discernimento ou à complacência coletiva diante dos problemas. A canção faz denúncias explícitas de uma "corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões", além de apontar para o "roubo", "mentiras" e "sequestros" que assolam o país, refletindo a criminalidade endêmica e a corrupção generalizada.

A música evidencia a profunda desigualdade social ao traçar uma distinção crítica entre o "Estado" e a "nação". Critica a falha da "justiça", a "ganância e a difamação", os "preconceitos" e o "voto dos analfabetos", expondo as fissuras do sistema legal e os vícios da sociedade. A letra aborda a precariedade dos serviços essenciais e a negligência com a vida humana, citando "água podre e todos os impostos", "crianças mortas", "mortos por falta de hospitais" e "epidemias". O "descaso por educação" e a "juventude sem escola" são destacados como problemas cruciais que comprometem o futuro do país e perpetuam ciclos de pobreza e marginalização. A canção denuncia o "trabalho escravo" e o abandono de "pessoas que trabalharam honestamente a vida inteira e agora não têm mais direito a nada", uma clara referência à situação precária dos aposentados e à exploração laboral. A denúncia de "toda hipocrisia e toda afetação" e "toda a indiferença" ressalta a superficialidade das relações sociais e a falta de empatia diante do sofrimento alheio.

A frase "celebrar a estupidez do povo" é uma acusação intencionalmente provocadora. Ela vai além da crítica às instituições (polícia, TV, governo) para implicar a própria população. Isso não é uma simples atribuição de culpa; sugere um mal-estar social mais profundo, onde a ignorância, a apatia ou até mesmo uma forma de cumplicidade (talvez nascida do desespero ou da desesperança gerada por sucessivos planos fracassados ) permite que a corrupção e a injustiça persistam. A "estupidez" pode se referir a uma falha coletiva em exigir mais, ou em cair na retórica política vazia, perpetuando assim o ciclo de "imperfeição" que a canção condena. Isso implica uma responsabilidade compartilhada pelo estado da nação, e não apenas uma externa.

Embora profundamente enraizada no Brasil do início dos anos 90 , a extensa lista de críticas – corrupção, violência, desigualdade, deficiências na educação e saúde, exploração – permanece "extremamente atual". Essa permanência aponta para uma patologia social mais profunda que transcende governos específicos ou ciclos econômicos. A relevância duradoura da canção sugere que as "imperfeições" que ela destaca não são meramente problemas conjunturais, mas questões estruturais e culturais profundamente enraizadas na sociedade brasileira. Isso eleva a canção de uma crítica histórica a um comentário atemporal sobre a condição humana e a governança no Brasil.

IV. Simbolismo e Referências Mitológicas: Camadas de Significado

A. Eros e Tânatos: A Dualidade da Existência Brasileira

A menção a Eros, o deus grego do amor e do desejo, e Tânatos, a personificação da morte, simboliza os extremos da experiência humana: a vida e a morte, o prazer e a destruição. Essa justaposição sugere que a sociedade brasileira não apenas convive, mas de alguma forma "celebra" essa dualidade, naturalizando tanto os aspectos vitais quanto os destrutivos do cotidiano. É uma representação da constante batalha entre a criação e a aniquilação que se manifesta no tecido social.

B. Perséfone e Hades: Ciclos de Vida, Morte e Renovação

A inclusão de Perséfone, deusa da primavera e rainha do submundo, e Hades, deus do submundo, aprofunda a exploração da dualidade. Perséfone representa a vida, o renascimento, a fertilidade e a promessa da primavera, enquanto Hades evoca a escuridão, a corrupção e os aspectos mais sombrios da existência. A narrativa de Perséfone, que passa parte do ano no submundo com Hades e parte na terra, simboliza os ciclos inerentes de vida, morte e renascimento. Isso sugere que, embora os problemas sociais sejam profundos e tenham raízes antigas, há um potencial inerente para a renovação e a superação. A sociedade brasileira, ao "celebrar" esses opostos, demonstra uma aceitação dessa coexistência de extremos.

C. A Primavera: O Símbolo da Esperança e Renovação

No final da música, a imagem da "chegada da primavera" simboliza uma mudança de tom crucial e a promessa de um novo começo, uma renovação após o período de escuridão. Após a exposição exaustiva das falhas e absurdos da sociedade, a primavera emerge como um sinal de esperança, sugerindo que, apesar de todas as imperfeições e corrupções denunciadas, ainda existe a possibilidade concreta de um futuro melhor, pautado pela verdade e pelo amor. É um contraste marcante com a ironia predominante, oferecendo uma perspectiva de libertação e um ciclo de renascimento para a humanidade.

Tabela 2: Simbolismo Mitológico e Temático em 'Perfeição'
| Símbolo/Referência | Significado Mitológico/Geral | Interpretação na Canção |

Eros > Deus grego do amor e do desejo; força primordial da vida e criação. | Representa o prazer, a vida e a força vital que coexiste com a destruição na sociedade brasileira, indicando uma celebração irônica de ambos os extremos.

Tânatos > Personificação da morte; força primordial da aniquilação. | Simboliza a morte, a destruição e a aceitação da violência e da decadência social, sugerindo que a sociedade naturaliza até mesmo o sofrimento e a perda.

Perséfone > Deusa da primavera, fertilidade e rainha do submundo; associada a ciclos de vida e morte. | Representa a vida, o renascimento e a possibilidade de renovação, mas sua ligação com Hades e o submundo indica que essa renovação está intrinsecamente ligada ao enfrentamento dos aspectos sombrios e corruptos da realidade.

Hades > Deus do submundo e dos mortos. | Evoca a escuridão, a corrupção, as injustiças e os problemas profundos da sociedade brasileira que precisam ser reconhecidos e superados para que haja um verdadeiro renascimento.

A Primavera > Símbolo de novo começo, renovação, fertilidade e esperança. | No desfecho da canção, surge como um sinal de esperança e a possibilidade de um futuro melhor, pautado pela verdade e pelo amor, após a denúncia das imperfeições. Sugere um ciclo de renascimento para a humanidade.

Ao invocar figuras mitológicas gregas antigas como Eros, Tânatos, Perséfone e Hades , Renato Russo eleva a crítica da canção para além de um mero retrato do Brasil dos anos 90. Essas figuras representam experiências humanas universais e forças arquetípicas (amor, morte, renovação, o submundo). A inclusão desses símbolos sugere que os "problemas abordados são tão antigos quanto a própria humanidade". Isso implica que as "imperfeições" não são exclusivamente brasileiras, mas refletem falhas mais profundas e inerentes à condição humana e às estruturas sociais, conferindo à canção uma ressonância atemporal e global.

O simbolismo da jornada de Perséfone entre o submundo (Hades) e a superfície (primavera) é fundamental para a mensagem da canção. Ele implica que a verdadeira renovação e esperança (a "primavera") não podem simplesmente surgir sem o reconhecimento e o confronto dos aspectos sombrios, corruptos e destrutivos da sociedade (o "submundo"). A "celebração" irônica inicial desses elementos sombrios serve como a necessária descida ao submundo, um reconhecimento doloroso, mas essencial, da realidade, antes que a possibilidade de uma transformação e libertação genuínas possa ser vislumbrada. A "perfeição" não é, portanto, um dado, mas um estado arduamente conquistado através do enfrentamento da verdade.

V. As Mensagens Finais: Da Denúncia à Libertação

A parte final da música, de forma abrupta e impactante, marca uma mudança radical de tom. A ironia predominante, que permeou a maior parte da canção, é abandonada em favor de um clamor direto e urgente por mudança e esperança. Essa transição é crucial para a mensagem final da obra.

Os versos "Meu coração está com pressa / Quando a esperança está dispersa / Só a verdade me liberta" são o ápice dessa mudança. "Meu coração está com pressa" expressa uma urgência palpável e um desejo profundo de que a transformação ocorra rapidamente, superando o estado de inércia e desilusão. "Quando a esperança está dispersa" reconhece um sentimento generalizado de desesperança, fragmentação ou desorientação dentro da sociedade, ecoando o ceticismo e a desilusão que caracterizavam o período. Finalmente, "Só a verdade me liberta" é a mensagem central e mais poderosa de libertação. Implica que a verdadeira perfeição e a liberdade genuína só podem ser alcançadas através do confronto corajoso com a realidade nua e crua, da busca incessante pela honestidade e da ação coletiva em prol da mudança.

Renato Russo, em sua voz final na canção, clama por "verdade e amor como formas de libertação e esperança". Essa afirmação sugere que a superação das profundas imperfeições sociais exige não apenas o reconhecimento dos problemas, mas também a adoção de valores éticos fundamentais e a união da coletividade em torno desses princípios. A conclusão da música, com a imagem da "chegada da primavera" e a menção da "perfeição" vindo junto , não deve ser interpretada como uma afirmação de que a perfeição já foi alcançada ou que ela é uma realidade iminente. Pelo contrário, é um convite à luta contínua e à construção ativa de um futuro melhor. A "perfeição" é apresentada como um ideal a ser perseguido, um horizonte ético a ser alcançado através da ação, da verdade e da superação das imperfeições denunciadas.

A estrutura da canção é notável por sua progressão: ela começa com um diagnóstico extenso e detalhado das mazelas sociais (a "celebração" irônica dos absurdos) e transita para uma prescrição concisa e urgente para a mudança em suas linhas finais. Essa mudança de uma crítica descritiva para um chamado normativo à ação é um movimento retórico poderoso. Implica que a mera consciência dos problemas é apenas o primeiro passo; a verdadeira libertação exige uma busca ativa pela "verdade" e uma vontade coletiva para superar a "esperança dispersa". Isso transforma a canção de um lamento em um catalisador para o engajamento social e a transformação.

A letra de "Perfeição" critica explicitamente as "mentiras" e "toda hipocrisia" que permeiam a sociedade. A afirmação final, "Só a verdade me liberta" , atua como um antídoto direto a essas falhas sociais. Em um contexto de corrupção política e instabilidade econômica, onde a confiança é erodida, a ênfase na "verdade" torna-se um ato radical. Sugere que o caminho para a liberdade genuína e a "perfeição" social reside em desmantelar as fachadas e confrontar realidades desconfortáveis, tanto individual quanto coletivamente. Esta é uma declaração ética profunda embutida na obra artística, que propõe a integridade como base para a reconstrução social.

VI. Aspectos Artísticos e Estruturais da Composição

A concepção de 'Perfeição' foi marcada por influências do rap, um gênero que, na época, ganhava força como voz de denúncia social. Renato Russo, de forma intencional, optou por declamar os versos em vez de cantá-los, uma escolha que reforça o tom de manifesto, a urgência da denúncia e provoca uma reflexão mais direta no ouvinte. Essa abordagem artística confere à letra um peso de discurso, tornando a mensagem mais contundente e menos diluída pela melodia.

'Perfeição' é notável por sua estrutura atípica, desprovida de um refrão tradicional. Essa ausência contribui para a sensação de uma lista ininterrupta e exaustiva de problemas e absurdos que se acumulam, intensificando o impacto da crítica. A letra, longa e complexa, sem um ponto de repouso melódico ou textual, mantém a tensão e a atenção do ouvinte focadas na densidade e na gravidade do conteúdo, sem alívio ou repetição reconfortante. A ausência deliberada de um refrão é uma escolha artística crucial que espelha o conteúdo temático da canção. Um refrão geralmente oferece uma âncora melódica e um resumo repetitivo, proporcionando uma sensação de resolução ou familiaridade. Ao omiti-lo, a música cria um fluxo ininterrupto de críticas, refletindo a natureza aparentemente interminável e não resolvida dos problemas que denuncia. Essa decisão estrutural intensifica a sensação de disfunção social avassaladora, impedindo qualquer alívio emocional fácil e forçando o ouvinte a confrontar a barragem contínua de "absurdos".

O videoclipe da canção, dirigido por Flávio Colker e gravado em Maricá, possui um significado histórico particular: foi o último clipe que a banda Legião Urbana gravou antes da morte prematura de Renato Russo. Isso confere ao material visual um peso emocional e um valor documental adicionais. O clipe foi reconhecido e indicado a importantes prêmios, como o MTV Video Music Award e o Video Music Brasil - Escolha da Audiência, o que atesta seu impacto visual e cultural na cena musical brasileira da época. O fato de o videoclipe de "Perfeição" ter sido o último gravado pela Legião Urbana antes da morte de Renato Russo confere a ele um peso histórico e simbólico profundo. Ele se torna um testamento visual da declaração artística final de Russo sobre o cenário sociopolítico brasileiro. Isso adiciona uma camada de pungência e finalidade à mensagem da canção, solidificando seu lugar como uma representação quintessencial da voz crítica de Russo e do legado da banda. O meio visual, ao amplificar o alcance e o impacto da canção, tornou sua crítica ainda mais acessível e memorável para um público mais amplo.

VII. Conclusão: O Legado e a Relevância Contínua de 'Perfeição'

A análise detalhada de 'Perfeição' revela que a canção transcende a mera composição musical para se firmar como um documento cultural e um manifesto atemporal. A centralidade da ironia como motor da crítica, a abrangência das denúncias sociais e políticas, e a profundidade do simbolismo mitológico enriquecem suas camadas de significado, tornando-a uma obra de arte complexa e multifacetada. A ironia, em particular, não é apenas um recurso estilístico, mas uma estratégia para engajar o ouvinte em uma reflexão ativa sobre a naturalização dos absurdos sociais.

Apesar de ter sido lançada em 1993, a letra de 'Perfeição' mantém uma "atualidade impressionante". Muitas de suas críticas – como a corrupção, a desigualdade social, o descaso com a educação e a saúde, e a violência – ainda ressoam fortemente no Brasil contemporâneo. Essa permanência sugere que os problemas abordados pela canção não eram meramente conjunturais, mas sim estruturais e persistentes na formação da sociedade brasileira, tornando-a um espelho contínuo de suas imperfeições. A permanência da relevância da canção sublinha o papel crucial da arte, especialmente da música, na preservação e transmissão da memória crítica entre gerações. Ao articular as frustrações e injustiças dos anos 90 de uma maneira tão potente e atemporal, a canção serve como um documento histórico vivo que continua a ressoar. Ela impede a amnésia social em relação a problemas persistentes e mantém viva a conversa sobre as "imperfeições" do Brasil, instigando a reflexão e a ação contínuas. Isso demonstra o profundo impacto cultural e o legado duradouro do trabalho da Legião Urbana.

'Perfeição' não se limita a denunciar; ela também inspira. A canção convida o ouvinte a uma reflexão profunda e desconfortável sobre a realidade do país e, em sua parte final, oferece um caminho de esperança e um chamado à ação coletiva pela busca da verdade e pela transformação social. A transição da ironia para a urgência da "verdade" e "amor" representa um movimento retórico de um diagnóstico à uma prescrição para a ação. A "perfeição" que a canção evoca não é uma realidade descritiva, mas um horizonte ético, um ideal a ser construído por meio do confronto com a realidade e da busca incessante pela integridade. Assim, 'Perfeição' permanece como um poderoso lembrete da capacidade da arte de confrontar, provocar e inspirar a busca por um futuro mais justo e, paradoxalmente, "perfeito".

Link da música 

Atividade pontuada - Valendo até 2,0 pontos.

​Aqui estão 13 exercícios discursivos sobre a canção "Perfeição" da Legião Urbana, que podem ser utilizados para aprofundar a análise e a compreensão da obra:

01 - Faça um pequeno texto, com a sua opinião, sobre o seu entendimento da mensagem contida na canção:

​02 - Contexto Histórico e Social: Explique como o cenário socioeconômico e político do Brasil no início dos anos 1990, marcado pela hiperinflação e instabilidade política (como o impeachment de Fernando Collor), se reflete na letra e no tom da canção "Perfeição". [1, 2, 3, 4, 5]

​03 - A Ironia do "Celebrar": A repetição do verbo "celebrar" é um recurso central em "Perfeição". Analise como essa ironia funciona para subverter o significado usual da palavra e, ao invés de comemorar, expor as contradições e problemas da sociedade brasileira. Como essa estratégia retórica engaja o ouvinte? [6, 7]

​04 - Críticas Explícitas: Identifique e discuta pelo menos três críticas sociais e/ou políticas explícitas presentes na letra de "Perfeição". Cite versos da canção para exemplificar cada crítica e explique o que elas denunciam. [6, 1, 7]

​05 - Simbolismo Mitológico: A canção faz referência a figuras mitológicas como Eros, Tânatos, Perséfone e Hades. Explique o significado de cada uma dessas referências no contexto da letra e como elas contribuem para a profundidade da crítica social e a compreensão da dualidade da existência humana na sociedade brasileira. [6, 7]

​06 - A Mensagem da Primavera: No desfecho de "Perfeição", a imagem da "chegada da primavera" é mencionada. Analise o simbolismo dessa imagem em contraste com o tom predominante de denúncia da canção. Que mensagem de esperança ou renovação ela transmite? [6, 1, 7]

​07 -,A Virada no Tom: Os versos finais "Meu coração está com pressa / Quando a esperança está dispersa / Só a verdade me liberta" marcam uma mudança significativa no tom da música. Descreva essa transição e explique a importância da "verdade" como elemento central para a libertação e a busca por um futuro melhor, conforme sugerido pela canção. [6, 7]

​08 - Escolha Artística: A Declamação: Renato Russo optou por declamar os versos de "Perfeição", influenciado pelo rap, em vez de cantá-los melodicamente. Discuta como essa escolha artística contribui para o impacto da mensagem da canção e reforça seu caráter de "manifesto". [6, 1]

​09 - Estrutura Sem Refrão: "Perfeição" é notável por não possuir um refrão tradicional. Analise como essa característica estrutural afeta a experiência do ouvinte e a forma como a longa e complexa lista de críticas é apresentada e absorvida. [8, 1]

10 - ​Relevância Contemporânea: Apesar de ter sido lançada em 1993, "Perfeição" é frequentemente descrita como "extremamente atual". Discuta por que as críticas e os temas abordados na canção continuam a ressoar na sociedade brasileira contemporânea, apontando para a persistência de certos problemas. [1]

​11 - Mensagem Geral da Canção: Considerando a jornada lírica de "Perfeição", desde suas "celebrações" irônicas dos absurdos até o clamor final pela verdade, qual é a mensagem abrangente que Renato Russo e a Legião Urbana buscaram transmitir sobre a sociedade brasileira e o caminho para a "perfeição"? [6, 1, 7]

12 - Quem foi Renato Russo? Por quais motivos, Renato Russo ficou conhecido?

13 - Olhando para o seu redor, para a sociedade que você vive, a realidade relata na música é a mesma de 1993 (data da música)? Justifique a  sua resposta:



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